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Declaração de Amor
Imagem Pixabay



Declaração de Amor


Tentei dizer o quanto te amava, aquela vez,
baixinho mas havia uma grande berreira,
um enorme burburinho e, pensado bem,
o berçário não era o melhor lugar.

Você de fraldas, uma graça, e eu pelado 

lado a lado, cada um recém-chegado você 
sem saber ouvir, eu sem saber falar.





Tentei de novo, lembro-me bem, na escola.
Um PS no bilhete pedindo cola interceptado
pela professora como um gavião. 


Fui parar na sala da diretora e depois 
na rua enquanto você, compreensivelmente, 
ficou na sua.

A vida é curta, longa é a paixão.

Numa festinha, ah, nossas festinhas, disse tudo:
"Eu te adoro, te venero, na tua frente fico mudo"
E você não disse nada. E você não disse nada. 

Só mais tarde, de ressaca, atinei.
Cheio de amor e Cuba, me enganei
e disse tudo para uma almofada.

Gravei, em vinte árvores, quarenta corações.
O teu nome, o meu, flechas e palpitações:
No mal-me-quer, bem-me-quer, dizimei jardins.
Resultado: sou persona pouco grata corrido a
gritos de "Mata! Mata!" por conservacionistas,
ecólogos e afins.

Recorri, em desespero, ao gesto obsoleto:
"Se não me segurarem faço um soneto"
E não é que fiz, e até com boas rimas?

Você não leu, e nem sequer ficou sabendo.
Continuo inédito e por teu amor sofrendo.
Mas fui premiado num concurso em Minas.

Comecei a escrever com pincel e piche num
muro branco, o asseio que se lixe, todo o meu
amor para a tua ciência. Fui preso, aos socos,
e fichado.

Dias e mais dias interrogado:
era PC < PC do B ou alguma dissidência?
Te escrevi com lágrimas , sangue, suor e mel
(você devia ver o estado do papel)
uma carta longa, linda e passional.

De resposta nem uma cartinha
nem um cartão, nem uma linha!
Vá se confiar no Correio Nacional.

Com uma serenata, sim, uma serenata
como nos tempos da Cabocla Ingrata me 
declararia, respeitando a métrica. 

Ardor, tenor, a calçada enluarada...
havia tudo sob a tua sacada
menos tomada pra guitarra elétrica.





Decidi, então, botar a maior banca no
céu escrever com fumaça branca: "Te amo, 
assinado.." e meu nome bem legível. Já tinha 
avião, coragem, brevê tudo para impressionar 
você mas veio a crise, faltou combustível.

Ontem você me emprestou seu ouvido e na
discoteca, em meio do alarido, despejei meu
coração. Falei da devoção ha anos entalada
você disse Disse "eu não escuto nada".

Curta é a vida, longa é a paixão.

Na velhice, num asilo, lado a lado em meio
a um silêncio abençoado direi o que sinto,
meu bem. O meu único medo é que então
empinando a orelha com a mão você
me responda só: "Heim?"

( Autor: Luis Fernando Verissimo)





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